Seriedade do câncer de boca é subestimada

Seriedade do câncer de boca é subestimada

Notícias - 20/07/2011

Quando o assunto é câncer, pouco se fala sobre como a doença atua na boca. Diferentemente do que ocorre com a próstata, com a mama, com o útero, com o pulmão, e com outros órgãos do corpo, o câncer bucal não aparece muito na mídia nem é alvo de grandes campanhas governamentais para a publicização de informações. A ausência de atenção, entretanto, não diminui a seriedade com que o mal deve ser tratado.

O câncer de boca ocupa o sétimo lugar no País em número de casos diagnosticados. No Rio Grande do Sul, ele alcança a quinta posição entre os tipos de câncer de maior incidência. Conforme estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca), 170 porto-alegrenses teriam câncer de boca no ano passado. No Estado, seriam 1.050 novos casos.

De acordo o com o cirurgião-dentista e conselheiro do Conselho Regional de Odontologia (CRO) gaúcho, Cléo Saldanha, a ideia de que existe uma saúde bucal, desmembrada do resto da saúde do indivíduo, faz com que a boca receba atenção secundária. “Existe um desmembramento de duas saúdes. A saúde como um todo e a saúde bucal. Isso denota que uma saúde não afeta a outra. A saúde é um todo. Se não se está saudável na boca, se está doente como um todo”, afirma.

O fumo é um dos principais fatores de risco para o surgimento de algum tipo de câncer bucal. O câncer bucal também pode surgir a partir de ferimentos causados pelo uso de próteses dentárias malfeitas e pouco adaptadas. Conforme Saldanha, dois são os principais tipos de câncer que afetam a boca. “O de maior prevalência é o carcinoma espinocelular, que se apresenta como uma ferida, vermelha ou branca que não dói e não cicatriza dentro de 15 dias. Ele é muito agressivo. Cresce rápido”, diz. Outro tipo é o melanoma. “Nesse tipo, pode haver ferida ou não e sangrar ou não. Ele se mostra como uma manchinha escura”, observa. Saldanha alerta também parar a existência de algum tipo de aumento na região facial, na medida em que o câncer pode não apresentar uma lesão superficial.

O especialista indica a realização do autoexame para a detecção de alguma anomalia na região bucal. Se há alguma mudança na cor da pele e mucosa bucal, se existem manchas que não desaparecem, feridas que não cicatrizam, aftas prolongadas ou inchaços, caroços ou ínguas no pescoço, o médico ou um cirurgião-dentista deve ser procurado.

O cirurgião-dentista critica a falta de atenção que a doença recebe. Segundo ele, o câncer bucal é subestimado.
“O câncer de boca é tão grave quanto o de mama ou o de útero. Existem políticas públicas para esses outros cânceres, mas não para o de boca.” O conselheiro do CRO também observa que a boca raramente é o foco de atenção dos profissionais da saúde. “A detecção do câncer, apesar de fácil, não é algo que é feito corriqueiramente pelo profissional dentista. Ele utiliza a boca para olhar os dentes. Já os médicos utilizam a boca como meio para se chegar a outros órgãos, como no caso da endoscopia.” Recentemente a Câmara municipal de Porto Alegre instalou uma Frente Parlamentar para tratar da questão.

Saldanha também aponta falhas no modo com os odontólogos agem quando são procurados pelos pacientes. “O exame completo da saúde bucal faz parte do protocolo da atuação do profissional de odontologia. Mas não é isso que ocorre na realidade. O profissional fica muito focado na queixa do paciente. O tratamento é sintomático”, enfatiza.
Diagnóstico precoce é essencial para cura

O câncer bucal, em seus variados tipos, possui cura. Para isso, entretanto, é indispensável que seja realizado o diagnóstico precoce da doença. Do contrário, o tumor tende a evoluir, ocasionando a morte.

Segundo a médica do serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) Deise Mara Lima da Costa, o tratamento do câncer é principalmente cirúrgico. “Os tumores da boca são classificados em quatro estágios, de T1 a T4. O T1 é o menor, de até 2cm. O T4 é o que já se irradiou, não estando mais somente em sua área original. Muitas vezes, em casos em que ocorre metástase em áreas do pescoço, após a cirurgia, o tratamento é complementado com radioterapia”, afirma.

De acordo com a profissional, que atua há 20 anos na área, as pessoas procuram atendimento médico quando o tumor já está em estágio muito avançado, diminuindo, assim, as possibilidades de cura. “É raro vermos pacientes com tumores pequenos. É muito difícil vermos um T1, por exemplo. Até nos surpreende como uma pessoa deixa algo crescer em sua boca sem procurar atenção médica”, diz.

As possibilidades de cura da doença variam de acordo com o tamanho em que o tumor está no momento em que a pessoa procura o tratamento. “Se ele apresenta um T1, as chances chegam a 80%”, destaca Deise. Conforme a médica, em casos em que o tumor reapareceu após a cirurgia e o tratamento e em casos em que ocorre a metástase, o paciente tem cerca de um ano de sobrevida. “É preciso reforçar que o câncer de boca mata se não diagnosticado cedo e não tratado”, ressalta.

Para Deise, há uma razão para os dentistas não observarem com frequência a presença de um tumor na boca de um paciente que procura atendimento em razão de algum problema dentário. “Em sua maioria, o paciente que apresenta o tumor ou não tem mais dentes ou tem muito poucos e não procura o dentista. A camada da população que tem o problema, em sua maior parte, não vai ao dentista”, conclui.